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Auto-libertação: cantar

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sexta-feira, fevereiro 19, 2010 by


        Sinto-me como um pássaro engaiolado. É triste. É infeliz escutar músicas e não poder cantá-las. Me dá vontade de gritar com todo meu fôlego. Estou com uma voz ruim, desde o Retiro de carnaval. Fiquei quase sem voz. É uma dor que não posso sentir, mas que me mata. Cantar é respirar pra mim. Posso não ser estudado nisso, mas, para mim, a música vem de dentro, é algo muito além de teoria, estética ou arte. Se fosse meramente isso, o que seria da música das tribos nativas indígenas? Música é a minha essência. E não importa quão imperfeito seja o meu cantar, pois tudo o que quero fazer é libertar-me. O canto liberta-me da dor, quebra as cadeias que prendem meu coração, que torturam-me, multilam-me; suaviza os arranhões das pontiagudas e afiadas garras da realidade, um ópio benéfico, ou um bálsamo paliativo. Tudo que preciso, muitas vezes, é chorar, em melodias, em letras que traduzam sincera e suavemente minhas angústias, em harmonias que se traduzem como uma junção de dores, dores diferentes entre si, que soam cada uma com sua respectiva nota, mas que soam harmoniosamente quando juntas. É um processo meio masoquista, ou não. É algo necessário.

        O dia está ideal para que eu me aprisione. Dias cinzentos. Lembra do que eu escrevi sobre eles? Posso facilmente sentir-me seduzido por essa atmosfera semi-estática e fria e então me deixar ser tomado pelas algemas dos sentimentos, pelo cheiro dos ontens, pelo vazio do silêncio e da ausência de um alguém especial.
        É impressionante como a saudade aflora tão abruptamente. Saudades de pessoas que vi há dois dias. Saudades de momentos ímpares que talvez nunca ocorram novamente. Saudades de coisas que nunca fiz. Sinto saudades de quando minhas inspirações fluiam mais que minhas saudades. Vinham desesperadamente, como eremitas sedentos por águas de um oásis, como asfaltos em dias quentes ansiando pelo desabar solene e súbto da chuva de verão. Sinto falta disto. Mal consigo registrar minhas reflexões, meus pensamentos que brotam do nada. Quando penso sobre eles, não consigo lembrar-me de boa parte deles, e então tudo se fragmenta. E perco muito com isso. E então cria-se este vazio.
        Talvez deva admitir, que, de fato, tenho-me tornado prisioneiro de pessoas e coisas. Não consigo escrever por completo o que quero, o que sinto, se não estiver diante de meu notebook; não consigo me sentir completo se não beber uma dose da presença e do compartilhar de amigos, entre outras coisas como, por exemplo, meu estado de espírito variar muito de acordo com a dinâmica de meus sentimentos, que é resultante do comportamento das variáveis nos meus relacionamentos; algumas práticas comuns como alimentar-me, dormir ou organizar as tarefas do dia sofrem bruscas alterações com isto. Até mesmo as músicas que ouço no momento são influenciadas por isso.
        Preciso admitir também que, escrever tem sido uma forma gostosa de libertar-me. Sempre o fiz. Sempre que necessário gritar ou chorar, nascia um poema, ou uma frase, um verso. Porém, cantar tem sido a mais infalível.
        No mais, espero quebrar todas as prisões e só permitir-me enclausurar-me em uma única: a presença do Pai de amor. O mais lindo de tudo é que, sua presença é libertadora, então, estar nela significa encontrar-se em meio a um campo aberto, onde pode-se correr para qualquer direção.
        Não quero cantar para o deleite dos ouvidos aprisionados pela música, ou para ter suas admirações ou glórias. Quero cantar para libertar-me e isso só é possível quando o faço para Ele. Levantar a voz e cantar suas grandes maravilhas. Entoar palavras pinceladas por notas musicais e assim, de uma forma graciosa, agradecê-lo pelo ar que respiro, pelo amor e pelas dádivas. E, cantando pra Ele, não importa a dor, sinto-me nas alturas, sob as Suas asas. As asas do Altíssimo. Sinto-me completo assim.

>> desculpem pelo post grande; foi um instante de auto-libertação.